Meu nome é Desirée Rugani. Sou brasileira e vivo em Israel. Todos os dias, compartilho informações sobre o que acontece nesta pequena faixa de terra cercada de ameaças e, ao mesmo tempo, repleta de vida, história, fé, cultura e resistência.

Quem me acompanha nas redes sociais costuma ver as notícias quando há um ataque: as sirenes soando, as explosões, o Domo de Ferro funcionando, o exército respondendo. Mas poucas pessoas conseguem imaginar o que realmente é viver isso. O que acontece nos minutos que não aparecem na televisão? Como o corpo reage quando, no meio de um dia normal, o som agudo da sirene corta o ar? Como é caminhar em direção ao bunker, ouvir as explosões e tentar manter a calma?
Este é um pequeno relato, não apenas de fatos, mas de sensações.
O alarme: quando o coração começa a correr antes do corpo
A sirene em Israel tem um som muito característico. Ela não soa como um simples aviso. Ela perfura o silêncio. Ela invade a mente. Nos primeiros segundos, há sempre um choque, por mais vezes que já tenhamos passado por isso. O cérebro demora uma fração de segundo para processar: “É real. É agora.” Não importa a hora: pode ser de madrugada, enquanto dormimos; pode ser no meio do almoço; pode ser durante o banho, ou quando você está colocando seu bebê para dormir.
O corpo entra em modo automático. É como se todos os sentidos se ligassem ao mesmo tempo:
“Onde estou? Quantos segundos tenho? Para onde corro?“
O tempo de resposta varia conforme a cidade. Em algumas regiões, há 90 segundos para chegar ao abrigo. Em outras, especialmente mais próximas das fronteiras, temos apenas 10 segundos. Dez segundos entre a sirene e o possível impacto do míssil. Dez segundos para agarrar o filho, o animal de estimação, as chaves, ou simplesmente correr descalça até o mamad, o bunker doméstico, obrigatório em praticamente todas as residências novas em Israel. Quem não tem esse mamad particular deve ir para os públicos ou para o comunitário do seu prédio. Sempre pelas escadas. Infelizmente, isso causa muitos acidentes pelo pânico.
Nesses momentos sempre me lembro dos idosos, doentes e bebês.
Mas como funciona ir até o bunker?
Correr para o bunker já virou quase um ritual. As crianças aprendem desde cedo a não questionar: ouvir a sirene significa entrar no abrigo. Não há discussão, não há espera. Mesmo os bebês, mesmo os idosos, todos aqui entendem o que significa o “tzeva adom” (alerta vermelho).
O som metálico da porta de aço do bunker se fechando traz uma sensação agridoce: de um lado, o alívio de estar em segurança; de outro, o medo do que pode estar por vir nos próximos segundos. Dentro do mamad, o som das explosões é ouvido e conseguimos imaginar o que está acontecendo do lado de fora. Dependendo da distância, o chão vibra. Cada explosão é um pequeno terremoto emocional.
Sabemos que muitas dessas explosões são os mísseis sendo interceptados pelo sistema de defesa israelense: Domo de Ferro, Arrow, Patriot, David’s Sling. Mas também sabemos que nem sempre todos são interceptados. E que cada foguete lançado tem um destino intencional: atingir civis. Matar indiscriminadamente.
O silêncio dentro do bunker é tenso. Olhamos uns para os outros. Alguns tentam manter a calma com brincadeiras, outros rezam em silêncio e outros cantam. Em alguns momentos, o impacto é tão próximo que o bunker parece tremer. Nessas horas, o pensamento vem automático: “Será que dessa vez escapamos por pouco?”
Quando as sirenes cessam e a defesa informa que o perigo imediato passou, abrimos a porta com cautela. Algumas vezes, há fumaça visível ao longe. Outras vezes, seguimos a vida como se nada tivesse acontecido. Mas a mente carrega o peso acumulado de cada episódio.
Como se vive com isso?
É difícil descrever o que significa viver em constante prontidão.
Nos adaptamos. Aprendemos a escolher casas próximas de bunkers, a planejar as atividades do dia pensando em qual seria o abrigo mais próximo, a ensinar as crianças a reagir rápido sem pânico. E, mesmo assim, nunca se torna normal.
Israel é um país resiliente. As pessoas aqui têm uma capacidade de seguir em frente impressionante. Depois de cada ataque, há reconstrução, solidariedade, abraços silenciosos entre vizinhos que se encontram na porta do bunker. Há lágrimas escondidas e também sorrisos de alívio.
A vida segue mas o trauma fica.
O que muitos não veem é o trauma invisível. As crianças que acordam à noite com pesadelos. Os adultos que vivem em estado de alerta permanente. A ansiedade constante ao menor barulho alto, que pode soar como uma nova sirene. O coração vigilante mesmo quando o céu está limpo. Eu, como imigrante brasileira, precisei aprender rápido a viver neste ritmo. Não é fácil. Cada sirene ativa aflições. Cada explosão desperta o instinto primitivo de sobrevivência. Mas também desenvolvi uma força interna que jamais pensei ter.
Aqui, a vida é preciosa. Cada dia vivido plenamente é uma vitória.
Por que conto essa história?
Há quem olhe de longe e pense que Israel vive apenas de conflitos e guerras. Mas há muito mais. Há inovação, ciência, tecnologia, cultura, fé, tradição, diversidade. Há famílias, há crianças sorrindo nos parques, há casamentos, festas, esperança. Há vida.
Conto essa história para que o mundo veja além das manchetes frias e entenda a mentalidade e o espírito israelense.
E também para que entendam que cada sirene representa famílias correndo, abraços apertados, preces silenciosas e, acima de tudo, um povo determinado a seguir vivendo, apesar de tudo.
Quando digo que Israel luta pelo direito de existir, não é uma metáfora. É a realidade diária de milhões de pessoas. Pessoas como eu, como meus vizinhos, de várias nacionalidades e religiões, como as famílias inteiras que descem às pressas para o bunker sempre que a sirene avisa que mais um míssil foi lançado com o único objetivo de matar civis inocentes.
Resistir é um ato de vida
Cada vez que saímos do bunker e seguimos a vida, estamos vencendo. Cada vez que colocamos as crianças para dormir depois de um ataque, estamos resistindo. Cada vez que reerguemos o que foi destruído, estamos dizendo ao mundo: não vão nos destruir.
É essa resistência que me move. É por isso que compartilho, explico, mostro e falo. Para que o mundo saiba o que significa viver sob ataque, mas nunca parar de viver.