PCC no coração das finanças: mercado mapeia o risco do crime organizado

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O avanço do Primeiro Comando da Capital (PCC) sobre setores da economia formal começou a entrar no radar de fundos de investimento, bancos e consultorias que atuam na Faria Lima, principal polo financeiro do Brasil. Gestoras de patrimônio e analistas de risco passaram a incluir, em relatórios e estudos sobre projetos na região Sudeste, indicadores de influência do crime organizado sobre cadeias produtivas, comércio e até operações logísticas.

Esse movimento é inédito em termos de metodologia de avaliação de risco no mercado financeiro brasileiro. Tradicionalmente, variáveis como estabilidade política, segurança jurídica, inflação e câmbio dominavam o cálculo de cenários de investimento. No entanto, episódios recentes envolvendo ações violentas, interceptações de cargas e denúncias de extorsão e lavagem de dinheiro têm pressionado empresas a revisitar seus modelos de compliance e as projeções sobre retorno de ativos.

As preocupações se intensificaram após investigações do Ministério Público e operações da Polícia Federal revelarem conexões entre facções criminosas e negócios supostamente legais, como transportadoras, redes varejistas, construtoras e empresas de logística portuária. O PCC, em particular, é apontado por autoridades como responsável por movimentar recursos bilionários por meio de atividades ilícitas e por expandir sua influência em cidades estratégicas próximas ao Porto de Santos, a principal porta de entrada e saída do comércio exterior brasileiro.

Grupos de crime organizado, como PCC e CV, expandiram seus métodos de atuação após a pandemia de COVID-19. Informações apontam que os grupos se infiltraram nos ramos imobiliário, de transporte público, clínicas odontológicas, e também no refino e venda de combustíveis, por meio do contrabando de matérias-primas.

Consultorias que assessoram investidores estrangeiros relatam que fundos internacionais, sobretudo norte-americanos e europeus, começaram a incluir perguntas específicas sobre segurança e risco criminal em suas diligências antes de aprovar aportes em setores como agronegócio, transporte de alto valor e infraestrutura. Esse tipo de risco, há poucos anos restrito a avaliações qualitativas de reputação, hoje influencia decisões sobre alocação de capital e pode até aumentar o custo do dinheiro captado por empresas brasileiras.

Especialistas ressaltam que a percepção do crime organizado como ameaça ao ambiente de negócios não é nova, mas se tornou mais tangível com os relatórios oficiais que apontam vínculos entre facções e empresas de fachada. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o PCC expandiu sua atuação em pelo menos 22 estados e já exerce influência direta sobre cadeias logísticas fundamentais para exportação de commodities.

O tema também tem impacto político. Governadores e prefeitos da região Sudeste vêm sendo pressionados a demonstrar capacidade de conter o avanço das facções. Em São Paulo, maior base de operações do PCC, empresas de transporte e logística têm reportado aumento nos custos com escolta armada e seguros. A insegurança afeta o valor de ativos e amplia a percepção de risco Brasil.

Analistas que acompanham fundos de private equity e de crédito privado afirmam que, além de prejuízos diretos com roubo de cargas e ameaças, há preocupação com a infiltração de recursos ilícitos no sistema financeiro. A possibilidade de sanções e danos reputacionais faz com que gestoras e bancos passem a exigir provas mais robustas de controles internos e relatórios de compliance antes de liberar financiamentos.

Enquanto isso, representantes do mercado alertam que o crescimento da economia paralela alimentada pelo crime organizado prejudica a competitividade do setor produtivo, distorce concorrência e compromete o ambiente de negócios no médio e longo prazo. Para conter essa tendência, advogados especializados em lavagem de dinheiro defendem que a fiscalização de transações suspeitas seja aprimorada e que as agências reguladoras atuem em parceria com autoridades judiciais.

O governo federal ainda não apresentou uma estratégia articulada para lidar com o impacto econômico da atuação do PCC, mas reconhece que a dimensão do problema requer cooperação internacional e medidas que ultrapassem o âmbito exclusivamente policial.

Fonte: Folha de São Paulo

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