Fome e desespero em Gaza: Israel endurece bloqueios à ajuda humanitária

Na última semana, um grupo de caminhões carregados com alimentos e suprimentos médicos entrou em Gaza, levando um vislumbre de esperança aos moradores do norte devastado pelo conflito – mas a alegria foi breve. Em poucos dias, Israel interrompeu novas entregas e fechou a principal rota de acesso, citando suspeitas de que o Hamas estaria desviando parte da ajuda humanitária. Entretanto, líderes tribais locais afirmam que foram eles, e não o grupo militante, que garantiram a segurança das cargas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) relatou que a última remessa trouxe suprimentos médicos vitais — incluindo bolsas de sangue e plasma — a primeira vez desde março, através do ponto de passagem de Kerem Abu Salem, no sul de Gaza. Já no norte, dezenas de caminhões entraram em uma operação independente organizada por clãs palestinos, resultando nas primeiras distribuições em quatro meses em locais como Jabalia. Mesmo diante do breve alívio, o fechamento da entrada de ajuda no norte intensificou os alertas da ONU sobre risco iminente de fome e colapso das condições de sobrevivência nos territórios sob bloqueio israelense. Dados da ONU indicam que apenas quatro centros de apoio estão operando, com uma queda drástica no fornecimento diário de refeições — em média, apenas 300 mil ao dia – diante de uma população estimada em 2,1 milhões. Há relatos de violência durante tentativas de coleta de alimentos: 23 palestinos foram mortos apenas no sul ao tentarem acessar ajuda nos pontos operados pelo Gaza Humanitarian Foundation (GHF), respaldado pelos EUA e Israel. Graves denúncias também apontam para mortes causadas por tiros, conforme informado por jornalistas e ONGs. O secretário-geral da ONU, António Guterres, criticou com severidade o modelo de distribuição conduzido pelos EUA, respaldado pelo GHF, classificando-o como “inseguro por excelência” e diretamente responsável por mortes de civis. Guterres exigiu uma revisão imediata do modelo e a abertura irrestrita de fronteiras humanitárias . A comunidade internacional, incluindo União Europeia, Reino Unido, França e Canadá, intensificou a pressão sobre Israel. A UE considera medidas punitivas caso não seja retomada com urgência a ajuda vital. Josep Borrell, ex-alto diplomata da UE, pediu ação mais firme do bloco, argumentando que a instituição não pode permanecer inerte diante da crise. Organizações humanitárias, como a International Rescue Committee (IRC) alertam que a escassez de acesso a alimentos, combustível e medicamentos ameaça causar desnutrição em massa, sobretudo entre crianças — uma geração pode estar à beira de um colapso físico e psicológico. Segundo o IRC, 1,9 milhão de palestinos já estão deslocados, e as remessas de comida foram reduzidas em mais de 70% desde abril. As consequências são profundas: doenças, colapso da rede médica e condições insalubres agravam a situação humanitária. Apesar das tensões, Israel mantém que o GHF é responsável por garantir entrega segura das cargas, desde que haja garantias de que o Hamas não interfere no processo. Já o clã palestino Mukhtar Salman Al Mughani negou qualquer envolvimento do grupo, afirmando que “os clãs garantem a segurança”. A realidade complexa de Gaza evidencia que, enquanto pequenos sinais de alívio surgem, a ajuda é frequentemente interrompida, insuficiente ou perigosa. A crise demanda uma resposta humanitária robusta, neutra e contínua, antes que o desaparecimento de vidas se transforme em um colapso generalizado. Fontes: The National, Financial Times, Reuters

Cessar-fogo entre Congo e Ruanda mediado por EUA entra em vigor

O governo da República Democrática do Congo (RDC) e Ruanda chegaram a um acordo pós-conflito que estabelece uma trégua e o retorno de refugiados, mas especialistas e ativistas alertam que existe o risco real de transformar a guerra em exploração de recursos naturais. O documento, divulgado recentemente e analisado por especialistas, inclui cláusulas para desmilitarização de certas regiões no leste da RDC, repatriação de populações deslocadas e reorganização de forças armadas na província de Kivu. No entanto, a falta de garantias ambientais, sociais e econômicas levanta preocupação diante da histórica riqueza mineral da região. Pela carta, os grupos de resistência congoleses devem ser integrados às forças armadas (FARDC), enquanto as tropas ruandesas se retirarão gradualmente. O pacto prevê monitoramento por uma força neutra da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral e da União Africana. Embora o cessar-fogo tenha reduzido confrontos diretos, a estabilidade ainda é frágil e dependerá da implementação eficiente das cláusulas. A região oriental da RDC é estratégica devido a recursos como ouro, coltan, estanho e cobalto — minerais vitais para tecnologias modernas. Especialistas destacam que a reconstrução pós-conflito muitas vezes serve de porta de entrada para corporações e governos estrangeiros em busca de concessões. “Sem salvaguardas claras, essa ‘paz em troca de exploração’ pode abrir espaço para que atores externos se apoderem dos lucros sem beneficiar a população local”, alertou a pesquisadora Marie N’Doumba. O filósofo e analista congolês Jean-Marc Tshonda reforça a crítica: “O acordo abstrai o contexto econômico. A mineração sempre foi fonte de conflito — se não houver controle social, a violência será apenas substituída pelo extrativismo predatório”. Organizações civis apontam que a inclusão de regulamentações ambientais e sociais foi mínima. Embora exista menção à reparação e reintegração de populações, não há mecanismos robustos de supervisão ou módulos fiscais para garantir que a renda permaneça no país. O uso de pequenas empresas locais como guardas comunitárias foi proposto, mas carece de amparo legal ou financeiro. Representantes do governo ruandês disseram à imprensa que a retirada das forças militares busca criar condições de confiança mútua e permitir que a RDC retome sua soberania sobre o território e seus recursos. Já Kinshasa ressaltou que o acordo é uma primeira etapa, e que os detalhes de implementação — como a distribuição de títulos de exploração e medidas de governança — devem ser negociados em fóruns técnicos multilaterais com apoio financeiro de parceiros internacionais. A ONU manifestou apoio, classificando o acordo como “oportunidade histórica de restauração da paz e reestruturação econômica”. Porém, também expressaram cautela, vinculando evolução a compromissos claros com direitos humanos, transparência e combate à corrupção. Fato preocupante é a autonomia limitada dos governos locais em Kivu: prefeitos e administrativos ainda dependem de decisões tomadas em Kinshasa ou Kigali, o que pode comprometer o monitoramento em campo. Pesquisas da International Crisis Group e Human Rights Watch já documentaram violações nos campos de refugiados que ainda permanecem ativos, com denúncias de violência sexual e abandono. O arcabouço internacional incluiu um fundo de transição orçado em US$ 500 milhões, sob supervisão da SADC e da UA, destinado à integridade das operações de limpeza, reintegração e gestão sustentável dos recursos. Contudo, fontes diplomáticas afirmam que a liberação do fundo dependerá de relatórios trimestrais e auditorias, cujo mecanismo de aplicação ainda está em definição. Para a população local, esse acordo é uma via de esperança, mas também de incertezas. A paz sem controle, fiscalização e justiça social corre o risco de se transformar em exploração disfarçada de desenvolvimento. O momento tornou-se simbólico não apenas para a RDC e Ruanda, mas para toda a África, refletindo a tensão entre restauração da ordem e equidade econômica num continente rico em recursos naturais. Fonte: Al Jazeera, BBC

Teerã retoma a rotina em meio a ruínas: iranianos voltam para casa temendo nova guerra

Após 12 dias de conflito entre Irã e Israel, Teerã vive um retorno cauteloso à normalidade — cafés e bazares abriram, serviços públicos funcionam novamente e milhares de residentes deslocados retornam à capital. No entanto, para muitos, a sensação de segurança ainda parece distante. Ashraf Barghi, enfermeira, resumiu bem: “Não confiamos que a guerra tenha terminado“. O êxodo começou após os bombardeios israelenses em 13 de junho, que visaram instalações nucleares, bases do IRGC e até a prisão de Evin. Centenas morreram, inclusive mulheres e crianças, e quase meio milhão de pessoas abandonaram Teerã, muitas em direção às províncias do norte, como Mazandaran, Gilan, Alborz e áreas costeiras do Mar Cáspio. Nika, 33 anos, grávida, refugiou-se por 11 dias em Zanjan. Sua volta à casa foi descrita como “chegar ao paraíso“. Mas ela mesma admite: “Não sei se o cessar-fogo vai durar”. Mesmo com esse regresso tímido, a atmosfera é marcada por tensão. A conectividade voltou, mas a internet ainda é instável e o silêncio das ruas, antes habitadas e vibrantes, continua estranho. Checkpoints de segurança, prisão de supostos espiões e rumores de novos ataques circulam entre a população. A guerra trouxe efeitos devastadores além das mortes. Supermercados enfrentam escassez de alimentos, remédios, combustível e até papel higiênico. O racionamento de combustível é rigoroso e caixas eletrônicos estão vazios. A economia, já fragilizada por sanções e má gestão, enfrenta nova crise. Muitos teimaram em permanecer. Mahin, 47 anos, disse ao The New Arab que “confiava na precisão israelense” até o impacto se aproximar de sua casa e o fogo sobreviver nos arredores. Ela relata ter fugido com medo real por sua vida. Autoridades reconheceram danos materiais: prédios residenciais, estações de TV, fábricas, postos de segurança, redes elétricas e até centros nucleares foram atingidos. Muitos desses locais ainda estão em colapso, com grande parte da população voltando para um lar parcialmente destruído. Intensificação da repressão Já no front político, crescem os receios. A intensificação da repressão é vista por muitos como inevitável. A turbulência econômica aumenta o descontentamento, com protestos reprimidos violentamente em anos anteriores, e a ameaça de nova onda autoritária se torna real. No momento, a trégua permanece instável. Israel relatou violações do cessar-fogo, e o Irã denunciou novos ataques após o anúncio do armistício. Enquanto isso, os iranianos voltam para casa, carregando escombros físicos e emocionais, cautelosos quanto ao futuro do país. Apesar da atmosfera de incerteza, muitos expressam alívio por voltar para perto do que ainda chamam de lar. Eles sabem que os desafios irão se estender, das relações internacionais aos direitos domésticos e ao sustento econômico, mas apostam na resiliência da sociedade iraniana, determinada a reconstruir. Fontes: Al Jazeera, Reuters

EUA e Irã mantêm conversas secretas sobre programa nuclear

Em meio à recente ofensiva militar contra três instalações nucleares iranianas, os Estados Unidos seguem engajados em conversas com Teerã sobre seu programa nuclear. Segundo a CNN, o enviado especial dos EUA, Steve Witkoff, e autoridades iranianas têm mantido diálogos secretos, inclusive após o bombardeio ordenado pelo presidente Trump, sinalizando disposição para retornar à mesa de negociações. De acordo com quatro fontes consultadas pela emissora, os EUA ofereceram uma proposta abrangente: entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões em investimentos para um programa nuclear civil sem enriquecimento, e potencial desbloqueio de US$ 6 bilhões em ativos iranianos congelados. A proposta inclui também que aliados do Golfo possam financiar a reconstrução da usina de Fordow, convertida, sob supervisão internacional, em uma instalação puramente civil. Essa postura pragmática ocorre mesmo após Trump afirmar na cúpula da OTAN que “um novo acordo nuclear talvez não seja necessário“. Ainda assim, ele confirmou que conversas estão sendo agendadas para a próxima semana, sem data definida. Por outro lado, o Irã resiste às negociações. O Ministro das Relações Exteriores Abbas Araghchi afirmou que ainda não há “nenhum acordo, promessa ou data“ para retomar o diálogo e que os ataques americanos complicaram significativamente qualquer retomada das conversações. Fontes da ONU e diplomatas europeus relatam que, apesar das dificuldades, o cenário permanece volátil: o cessar‑fogo entre Israel e Irã, intermediado pelos EUA, reabriu canais com europeus, que têm conduzido conversas paralelas com Teerã em Genebra, embora sem avanços significativos até o momento. O impacto geopolítico é evidente. A Europa, representada pelas nações do E-3 (França, Alemanha e Reino Unido), vem pressionando para que o Irã se comprometa com a suspensão total do enriquecimento de urânio, como base para qualquer retorno aos tratados nucleares. O enviado britânico ao Conselho de Segurança da ONU alertou que, se não houver progresso até o verão, sanções da ONU poderão ser impostas ao país. A conjuntura atual é tensa: os EUA e Israel realizaram ataques militares que, embora tenham causado “danos significativos” a instalações como Fordow, Natanz e Isfahan, não eliminaram o potencial nuclear do Irã, e segundo relatórios, as centrifugas permanecem operacionais e parte do urânio acumulado foi realocado. Mesmo assim, o presidente Trump defendeu no Fórum da OTAN que a reconstrução civil supervisionada é viável, condicionando a retomada das negociações ao fim do enriquecimento de urânio e à segurança regional. O diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, alertou que a única forma de avaliar o real estado das instalações é por meio de inspeções diretas. Ele lembrou que, sem o acesso dos inspetores, não é possível confirmar se o material foi removido ou se o programa nuclear se restabelece. Analistas de segurança consideram que os EUA tentam equilibrar a dissuasão militar com uma reconexão diplomática, usando incentivos econômicos como contrapartida. Mas advertem: sem garantias jurídicas que impeçam o Irã de retomar o enriquecimento, qualquer acordo será apenas temporário. A ambiguidade prevalece também porque Trump enfrenta pressões internas, membros do Partido Republicano exigem garantias de proibição total do programa nuclear, enquanto setores do movimento “America First” preferem evitar envolvimento militar prolongado no Oriente Médio. Embora os passos sejam cautelosos, a abertura de canais diplomáticos paralelos aos ataques marca uma nova fase nesta crise: os EUA buscam converter as tensões e os ataques em alavancas para um acordo mais estável, ainda que o Irã se mantenha reticente. O futuro das negociações dependerá tanto da capacidade norte-americana de oferecer garantias credíveis quanto da disposição iraniana de aceitar limitações reais ao seu programa nuclear. Fontes: CNN, The Daily Beast

toggle icon
plugins premium WordPress