A falta de campanhas públicas de conscientização sobre a doação de órgãos segue impactando a vida de milhares de brasileiros. Ao longo de 2024, quase metade das famílias entrevistadas (46%) recusou autorizar a doação de órgãos de seus entes queridos, de acordo com os dados mais recentes da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). A recusa permanece como o principal obstáculo para a efetivação dos transplantes no país.
A situação torna-se ainda mais preocupante ao se analisar os números por estado e região.
Sul lidera autorizações – Norte e Nordeste mantêm as maiores taxas de recusa
A Região Sul continua a ser exemplo nacional em doação de órgãos. O destaque vai para o Paraná, com a maior quantidade de entrevistas realizadas (854) e uma das menores taxas de recusa familiar: 28%. Isso significa que mais de 70% das famílias disseram “sim” à doação, reflexo direto de campanhas estaduais permanentes e uma estrutura de apoio eficiente.
Santa Catarina, outro estado do Sul, também apresenta desempenho positivo, com recusa de 32% entre as famílias entrevistadas.
Já nas regiões Norte e Nordeste, os índices permanecem altos. Em Piauí, 68% das famílias recusaram a doação — mesmo percentual de recusa registrado no primeiro trimestre do ano. Outros estados com índices alarmantes incluem:
- Bahia: 56% de recusa
- Amazonas: 56%
- Rondônia: 57%
- Sergipe: 61%
A ausência de campanhas públicas regulares, a falta de preparo das equipes de entrevista e o desconhecimento da população sobre o processo de doação são fatores que contribuem para essa resistência.

História que toca: Nicole Plauto clama por um coração para o pai
Em meio a estatísticas duras, histórias como a da administradora Nicole Plauto, filha de Marcus — conhecido por muitos como Marquinhos — dão rosto à urgência do tema. Marcus está na fila de transplante cardíaco. O coração que distribuiu amor por tantos anos agora precisa receber. Dois anos antes, a mesma família enfrentou a dor da perda: a irmã mais nova de Marcus faleceu de forma repentina, vítima de um AVC. Diante do luto, a família disse “sim” à doação de seus órgãos. Cinco pessoas foram salvas naquele dia.
Agora, é a família de Nicole que espera que outra família diga sim.

“Talvez o seu sim seja o que vai salvar o meu pai“, escreveu Nicole em carta aberta. “Doar é transformar dor em vida. É amar até depois do fim.“
Comunicar à família o desejo de ser doador
O relatório da ABTO aponta que a recusa familiar continua sendo a principal causa de não concretização da doação no Brasil. Isso reforça a importância de um gesto simples: comunicar à família o desejo de ser doador. Pela legislação brasileira, a doação só ocorre com o consentimento dos familiares, mesmo quando a pessoa manifesta esse desejo em vida.
Urgência de campanhas nacionais
O Brasil tem potencial para avançar em transplantes, mas sem campanhas educativas constantes, a rede pública continuará refém do silêncio e do medo. O Ministério da Saúde e os governos estaduais precisam reforçar o debate público, promovendo ações em escolas, unidades de saúde e meios de comunicação.
Cada “sim” pode salvar até oito vidas. Em um país com mais de 50 mil pessoas na fila de espera por um órgão, cada recusa é também uma vida que se apaga.