Cessar-fogo entre Congo e Ruanda mediado por EUA entra em vigor

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O governo da República Democrática do Congo (RDC) e Ruanda chegaram a um acordo pós-conflito que estabelece uma trégua e o retorno de refugiados, mas especialistas e ativistas alertam que existe o risco real de transformar a guerra em exploração de recursos naturais. O documento, divulgado recentemente e analisado por especialistas, inclui cláusulas para desmilitarização de certas regiões no leste da RDC, repatriação de populações deslocadas e reorganização de forças armadas na província de Kivu. No entanto, a falta de garantias ambientais, sociais e econômicas levanta preocupação diante da histórica riqueza mineral da região.

Pela carta, os grupos de resistência congoleses devem ser integrados às forças armadas (FARDC), enquanto as tropas ruandesas se retirarão gradualmente. O pacto prevê monitoramento por uma força neutra da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral e da União Africana. Embora o cessar-fogo tenha reduzido confrontos diretos, a estabilidade ainda é frágil e dependerá da implementação eficiente das cláusulas.

A região oriental da RDC é estratégica devido a recursos como ouro, coltan, estanho e cobalto — minerais vitais para tecnologias modernas. Especialistas destacam que a reconstrução pós-conflito muitas vezes serve de porta de entrada para corporações e governos estrangeiros em busca de concessões. “Sem salvaguardas claras, essa ‘paz em troca de exploração’ pode abrir espaço para que atores externos se apoderem dos lucros sem beneficiar a população local”, alertou a pesquisadora Marie N’Doumba.

O filósofo e analista congolês Jean-Marc Tshonda reforça a crítica: “O acordo abstrai o contexto econômico. A mineração sempre foi fonte de conflito — se não houver controle social, a violência será apenas substituída pelo extrativismo predatório”.

Organizações civis apontam que a inclusão de regulamentações ambientais e sociais foi mínima. Embora exista menção à reparação e reintegração de populações, não há mecanismos robustos de supervisão ou módulos fiscais para garantir que a renda permaneça no país. O uso de pequenas empresas locais como guardas comunitárias foi proposto, mas carece de amparo legal ou financeiro.

Representantes do governo ruandês disseram à imprensa que a retirada das forças militares busca criar condições de confiança mútua e permitir que a RDC retome sua soberania sobre o território e seus recursos.

Já Kinshasa ressaltou que o acordo é uma primeira etapa, e que os detalhes de implementação — como a distribuição de títulos de exploração e medidas de governança — devem ser negociados em fóruns técnicos multilaterais com apoio financeiro de parceiros internacionais.

A ONU manifestou apoio, classificando o acordo como “oportunidade histórica de restauração da paz e reestruturação econômica”. Porém, também expressaram cautela, vinculando evolução a compromissos claros com direitos humanos, transparência e combate à corrupção.

Fato preocupante é a autonomia limitada dos governos locais em Kivu: prefeitos e administrativos ainda dependem de decisões tomadas em Kinshasa ou Kigali, o que pode comprometer o monitoramento em campo. Pesquisas da International Crisis Group e Human Rights Watch já documentaram violações nos campos de refugiados que ainda permanecem ativos, com denúncias de violência sexual e abandono.

O arcabouço internacional incluiu um fundo de transição orçado em US$ 500 milhões, sob supervisão da SADC e da UA, destinado à integridade das operações de limpeza, reintegração e gestão sustentável dos recursos. Contudo, fontes diplomáticas afirmam que a liberação do fundo dependerá de relatórios trimestrais e auditorias, cujo mecanismo de aplicação ainda está em definição.

Para a população local, esse acordo é uma via de esperança, mas também de incertezas. A paz sem controle, fiscalização e justiça social corre o risco de se transformar em exploração disfarçada de desenvolvimento. O momento tornou-se simbólico não apenas para a RDC e Ruanda, mas para toda a África, refletindo a tensão entre restauração da ordem e equidade econômica num continente rico em recursos naturais.

Fonte: Al Jazeera, BBC

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