Barak Deri: o capitão da unidade de elite Matkal que sobreviveu ao inferno de Gaza

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Sou brasileira e moro em Israel há alguns anos. Nesse período, tive a chance de conhecer pessoas verdadeiramente extraordinárias, mas poucas me marcaram tanto quanto meu amigo Barak Deri. Ele não é apenas um soldado — é um homem que carrega no olhar uma mistura rara de coragem, generosidade e resiliência.

Barak integra a Sayeret Matkal, uma das unidades de operações especiais mais respeitadas e seletivas das Forças de Defesa de Israel. Um detalhe impressionante: todos os seus cinco irmãos também serviram na Sayeret Matkal, algo quase inédito, considerando o nível de excelência e os testes rigorosos exigidos para fazer parte desta tropa de elite. Essa tradição familiar revela a fibra, a disciplina e o senso de missão que correm no sangue dos Deri.

Em dezembro de 2023, Barak participou de uma das operações mais dramáticas de sua carreira, destinada a resgatar reféns sequestrados pelo Hamas durante o massacre de 7 de outubro. A missão ocorreu nos becos e túneis de Gaza — corredores escuros, úmidos, repletos de armadilhas, que formam um verdadeiro labirinto mortal.

No auge da operação, Barak e sua equipe se viram frente a frente com sete terroristas ao mesmo tempo, travando um combate corpo a corpo. Uma granada lançada pelos inimigos explodiu a poucos metros dele, destruindo sua perna e provocando graves ferimentos por estilhaços e tiros. Mesmo caído, Barak continuou atirando para proteger um companheiro que também havia sido ferido, e ao perceber terroristas tentando cercá-los pelas janelas, lançou suas próprias granadas — tudo isso já mortalmente ferido.

Em uma de nossas conversas, Barak me contou que acreditou que seria capturado — e, sem saída, cogitou usar sua arma contra si mesmo para evitar o que mais temia: a tortura e a humilhação nas mãos do Hamas. Foi então que sentiu as mãos dos companheiros o puxando para fora daquele inferno subterrâneo, enquanto ainda escutava os colegas discutindo quem deveria ser evacuado primeiro. Ele, praticamente sem pulso, acabou ficando por último, já que os demais tinham mais chances de sobreviver.

Graças a Deus, o resgate chegou a tempo. Barak foi levado ao hospital Sheba, onde permaneceu em coma por sete dias. Ao acordar, demorou a entender onde estava — e se ainda estava inteiro. Não estava: sua perna havia sido devastada, exigindo nada menos que 33 cirurgias para reconstruir ossos e músculos. O tornozelo precisou ser completamente fundido, tirando dele para sempre a capacidade de correr. Além disso, enormes cicatrizes marcam o seu corpo.

Depois de quase um ano morando dentro do hospital, Barak ouviu a frase mais dura de todas: “Você nunca mais vai correr“. Essa sentença atingiu especialmente forte, pois correr era sua paixão, seu hobby favorito, a forma de aliviar o estresse do dia a dia e se reconectar consigo mesmo.

Hoje, enfrenta dores crônicas, controladas apenas com medicamentos fortes, e precisará conviver com limitações para sempre.

Apesar de tudo, Barak não se deixou abater. Poucos dias depois de acordar do coma, surpreendeu os médicos ao tentar se sentar e mexer a perna parcialmente reconstruída. Seu apelido na unidade era “Hércules“, e não por acaso. Talvez pudéssemos chamá-lo também de “Wolverine“, tamanho foi o espanto dos médicos com sua recuperação, depois de um embate tão brutal.

Em outra de nossas conversas, ele relatou como revive quase todos os dias “o barulho da explosão, o cheiro de fumaça, o gosto de sangue“, e revelou ter sido diagnosticado com transtorno de estresse pós-traumático (PTSD). Mesmo assim, disse com convicção: “Eu faria tudo de novo“, pois acredita profundamente na missão de salvar vidas.

Desde que recebeu alta, Barak passou a compartilhar sua história em eventos públicos e palestras motivacionais. Em outubro de 2024, durante uma cerimônia de memória do massacre de 7 de outubro no Hyde Park, em Londres, ele emocionou milhares de pessoas ao declarar:

“Eu não sou uma vítima. Eu escolhi isso. Por pior que tenha sido, também foi a maior experiência da minha vida… Agora tudo tem mais força, a vida é mais poderosa.”

Atualmente, Barak encara uma rotina exaustiva de fisioterapia, além de infecções recorrentes, dores constantes e a perspectiva de novas cirurgias nos próximos anos. Ainda assim, mantém o sorriso e transformou-se em inspiração para outros feridos, incentivando e acolhendo quem passa por situações semelhantes. Ele costuma abraçar pacientes e motivar equipes médicas, usando sua experiência para gerar esperança.

Também encontrou uma forma de voltar a sentir liberdade: adquiriu uma bicicleta adaptada e, sempre que possível, pedala pelas ruas, reencontrando o prazer de sentir o vento no rosto e provando a si mesmo que ainda pode se mover e viver com dignidade.

Além de soldado, Barak é pai de uma menina de apenas três anos, sua maior fonte de motivação. Apesar das sequelas, faz questão de participar de cada momento ao lado da filha — brincar, rir, acompanhar seu crescimento —, um presente que ele jamais tomará como garantido.

Em suas palestras, dentro e fora de Israel, Barak compartilha lições poderosas de coragem, liderança, resiliência e espírito de equipe. Suas palavras tocam especialmente aqueles que enfrentam dores, físicas ou emocionais, mostrando que mesmo nos momentos mais sombrios ainda é possível se reconstruir — e ajudar outros a fazerem o mesmo.

Ele não gosta de ser chamado de vítima e repete isso sempre que pode. Israel tem muitos soldados corajosos, mas poucos estiveram tão próximos da morte quanto ele e ainda carregam as marcas — no corpo e na alma — sem perder a dignidade e a vontade de servir.

Para mim, Barak representa a verdadeira definição de herói — não aquele que nunca cai, mas aquele que, ao cair, encontra forças para se levantar, mesmo sabendo que jamais voltará a ser o mesmo.

Hoje, Barak continua reconstruindo não apenas o corpo, mas também a alma. Suas cicatrizes jamais desaparecerão, mas se transformaram em símbolos de honra, gravados para sempre como prova de quem arriscou tudo para salvar outros.

Se um dia me perguntarem quem me ensinou o significado mais profundo de coragem, responderei sem hesitar: Barak Deri.

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